sábado, 20 de junho de 2009

Carta ao senhor Gilmar Mendes

A V. Exª senhor ministro do Supremo Tribunal Federal

Senhor ministro, talvez, esta carta seja extensa devido ao assunto. Na verdade, nem sei se posso representar todos os colegas de profissão, mas sei que boa parte concordará comigo. A decisão do Supremo Tribunal Federal de não exigir o diploma para a função de jornalista está causando grande alvoroço entre os que, com muitas dificuldades, estudo e anos em salas de aulas, se sentem incapazes diante do fato.
Levando em consideração suas falas ao proferir o voto no plenário do STF (“Os jornalistas se dedicam ao exercício pleno da liberdade de expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto, são atividades imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada”), penso que, como cidadão, tenho o direito de me manifestar.
O senhor, enquanto jurista, graduou-se em Brasília, no ano de 1978. Na mesma instituição, em 1987, concluiu seu mestrado em Direito e Estado. Em 1988, o senhor teve uma oportunidade que poucos brasileiros têm: a de viajar ao exterior (Alemanha) para concluir um outro mestrado e, por fim, o doutorado. Sinto-me muito feliz ao saber que um brasileiro, como eu, teve tantas oportunidades e se destacou. Vivemos em um país de tão poucas oportunidades que, quando vemos o triunfo de uma pessoa de mesma nacionalidade, sentimo-nos como se fosse conosco.
Mas por que falo em oportunidades e estudo? Vou fazer uso de suas palavras. Para mim, Oportunidade e estudo são coisas imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensadas e tratadas de forma separada.
Na faculdade de jornalismo, aprendi muito mais que técnicas para redigir a jornais, trabalhar em televisão ou rádio. Ensinaram-me que tinha, através da ética, do respeito e do compromisso com a sociedade, de relatar os fatos como se mostram. Isso, muitas vezes, acaba ferindo alguém, mexendo com pessoas importantes, mas, graças a Deus, também faz com que a sociedade reflita, pense e, baseada na liberdade garantida pela Constituição, enxergue um caminho para modificar algumas coisas, e também quem são algumas pessoas. Acho muito importante que começássemos a nos questionar sobre o que fazemos de bom para a humanidade. Nem precisamos chegar a tocar naquelas pessoas que, de forma voluntária, fazem caridades a tantos famintos, sem estudo, sem teto, sem emprego, sem saúde, enfim, sem nada. Queria manter a carta pensando se somos capazes de fazer algo dentro de nossas próprias atribuições profissionais. Não que eu pense que o senhor não contribua. Por favor, não pense isso. Só quero dizer que, como jornalista, aprendi que é de extrema importância questionar o que vejo, para tentar esclarecer por que as coisas andam tão complicadas.
Nos meus estudos de sociologia, antropologia, filosofia etc (tudo no curso de jornalismo, ta?), vi que desigualdade sempre existiu, mas também percebi que, mesmo com passos de formiga e sem vontade, algumas coisas mudaram. Se hoje tenho alguns ídolos, mesmo sendo um brasileiro “sem” (quem sabe sem emprego depois desta carta), eles vieram da música, do teatro, das salas de aulas, da convivência e dos livros. Com tantos diplomas, o senhor bem sabe a importância deles. Adivinha de onde comecei a conhecer tantas pessoas bacanas? Dos jornais, revistas, programas de TV, rádio e meios de comunicação em geral.
Durante esse tempo, em que formava minha personalidade, nem imaginava cursar jornalismo. Pensava em ser advogado. Depois, fiquei com medo de lidar com julgamentos. Particularmente, acho isso muito perigoso. Admiro muito quem exerce a profissão conscientemente. Confesso que fiquei um pouco impressionado com a coragem do procurador Rodrigo de Grandis, ao falar que sua decisão de conceder habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas era inconstitucional. Rapidinho, na mesma entrevista, ele se corrigiu. Disse que, apesar de tudo, o Ministério Público respeitava sua decisão. Mas os amigos jornalistas, que são tidos como o 4º Poder (e bota poder nisso), não são fáceis. Contestaram a liberação do Dantas e dos outros nove, com milhares de provas, incluindo grampos telefônicos (Verônica, irmã de Daniel Dantas, fala no dia 14 de maio com um certo Arthur. “Precisa passar os detalhes sobre a legislação para o Madeira que é amigo do Gilmar (ministro-presidente do Supremo Tribunal Federal) e isso pode parar na mão dele” (ministro)). Mas essa gente não para de trabalhar e foi logo catar um especialista para ver se não estava cometendo um erro. O senhor chegou a ler o que o juiz aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo Wálter Maierovitch falou sobre o caso? Olha o que os jornalistas foram buscar:
- Ele (Gilmar Mendes) está atuando com abuso de direito. Está extrapolando as funções dele. O Supremo virou ele.
E nós, jornalistas, ainda somos obrigados a levar a pobre sociedade outras coisas tão bobas. Mas que, como dizem por aí, dão uma audiência danada. Vou exemplificar para o senhor: lembra de uma das brigas que o senhor teve com o ministro Joaquim Barbosa? Por que ele diz: “V. Ex.ª está destruindo a Justiça deste País. Saia à rua, ministro Gilmar. V.Ex.ª está na mídia destruindo a credibilidade do Judiciário Brasileiro? Não entendi quase nada daquilo. Juro!
Apesar de as pessoas terem a mania de fazer piada associando advogados a ladrões e safados, nunca acreditei nisso. Só acho que uma pessoa age dessa forma ilícita quando é provado. Também trouxe isso da faculdade: não julgar sem conhecimento.
Mas queria escrever tantas coisas nesta carta que, para ser sincero, nem sei por onde começar. Sendo sincero mais um pouquinho, não sei como acabar. Só sei que vou conseguir.
O senhor afirmou que nossa profissão não expõe a risco terceiros. Eu posso, a partir de agora, escrever qualquer coisa, sobre qualquer pessoa, sem provas? Não serei processado? Acho que vou rever todos os meus conceitos. Imagina o que os meus colegas não vão fazer com prefeito que tira moradia de mais pobres, parlamentar que dirige bêbado, governador que manda a polícia matar, presidente que não sabe de nada... O pessoal vai se acabar. Só quero ver os que vão exercer sem conhecimento. Vai ser uma festa. Aliás, estou adorando isso. O Brasil está bem demais. V. Ex.ª já ouviu o funk da popozuda dizendo que vai ser ministra da Educação? Adorei a ideia. Ela e o Lula, por sinal, saíram muito bem na foto.
Mas são muitas coisas a dizer. O que não posso esquecer é de, antes de terminar, convidá-lo para um café (veja como sou convencido em achar que o senhor vai aceitar!). Caso ache proveitoso, no dia 23 (terça-feira), sei que o senhor dará uma palestra na Fundação Getúlio Vargas, na Praia de Botafogo, 190, entre 17h e 18h30. Como esses eventos sempre atrasam, meus telefones estão abaixo. Fique à vontade para marcar por volta das 20h. Encontro o senhor lá na porta, e o senhor me explica melhor a relação do jornalista diplomado com o chefe de cozinha.
Se um dia conseguir ficar rico, meu chefe de cozinha não vai precisar ter diploma. Afinal, vejo gente que tem tantos, mas usando a sabedoria para o mal. Se tiver a sorte de enriquecer mesmo, vou lembrar de um coleguinha de redação e perguntar se, após o expediente, não quer vir ganhar mais um pouco como meu cozinheiro.
Por Ricardo Freire Rubim
Jornalista

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